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LITERATURA HOT: TUDO TEM LIMITE

Lu Days


Dizem que no amor e na guerra vale tudo. Mas será que para ganhar dinheiro com a carreira de escritor vale tudo também?



Dizem que no amor e na guerra vale tudo. Mas será que para ganhar dinheiro com a carreira de escritor vale tudo também? Pois bem, não farei rodeios. Autores de literatura hot estão transformando preconceito em fetiche para se manterem em alta.


No último mês tivemos duas grandes polêmicas com dois livros hot, que tentaram incluir personagens LGBTQIAP+ em suas narrativas, mas falharam perigosamente. Não vou citar o nome das obras porque 1) não quero servir de divulgação gratuita, 2) o intuito do texto não é falar sobre esses livros, mas abrir o debate geral e 3) sei que eles não são os únicos a reproduzir preconceito recreativo.


Em outros gêneros já se fala muito sobre como autores podem efetivar seus preconceitos ao caracterizarem seus personagens. Isso não é um assunto novo para quem lê ficção científica e fantasia, por exemplo. Aqui nesses gêneros o debate já começou há muito tempo.


A Literatura Hot não é um gênero tão novo assim, tendo como seu marco principal o livro 50 tons de cinza, de E L James, em 2011, mas conseguiu se manter em alta até hoje. Seja pela qualidade das obras ou pelo apelo ao leitor, não sabemos. Uma coisa que o gênero sempre fez muito bem foi surfar nas ondas do mercado literário.


O livro é um produto de entretenimento, que é vendido para alcançar as massas. No mundo capitalista o livro é um produto, enfim. Desse modo, a indústria literária é cíclica. Sempre vai ter um plot ou um gênero sendo mais explorado que os outros. Com a presença do TikTok essa fórmula aumentou ainda mais.


É assim, se Crepúsculo fez muito sucesso, logo as editoras concorrentes a que lançou Crepúsculo estarão procurando livros com temática de vampiros para lançar. Como no exemplo, esse ciclo aconteceu com Crepúsculo até que a febre do mercado baixou e foi substituída.


O que faz a literatura hot estar em alta até hoje? A criação de subgêneros a partir dos novos ciclos da indústria. Temos hot com monstros (se mesclando a fantasia), hot com aliens (se mesclando a ficção científica), hot com plot de máfia, com plot de médicos e, mais recentemente, hot com personagens LGBTQIAP+ escritos por mulheres heterossexuais.


Sim, outros romances hot com personagens LGBTQIAP+ já foram lançados desde muito tempo. Afinal de contas, os gêneros literários estão aí para serem explorados por qualquer pessoa que queira escrever seu livro. A pauta do debate que se abriu, desde o mês passado, se origina no modo como autores de literatura hot estão criando personagens LGBTQIAP+ só para surfar em uma onda, que na verdade não é uma onda, e isso já mostra o preconceito dessas pessoas.


Há anos escritores LGBTQIAP+ tentam abrir espaço na indústria para chegarem a seus leitores. Atualmente livros com personagens e autores da comunidade estão sendo mais apreciados pelas editoras, e até mesmo pelo pódio da Amazon, mas não sem um grande esforço de leitores, também da comunidade. O ciclo do mercado, que parece ser uma modinha, é na verdade resultado de muita luta.


Contudo, ao ver nomes como Pedro Rhuas sendo muito difundido no TikTok e bem vendido nas bienais do país, escritores, que querem vender mais e continuarem tendo notoriedade no mercado (não há nada de errado nisso), escolheram escrever personagens LGBTQIAP+ para conseguirem incluír seus livros em hashtags e tópicos da Amazon direcionado para o público da comunidade. Isso é uma ferramenta eficiente para que esses livros fiquem ainda mais evidentes no site para (e isso ta bem errado).


Como eu disse anteriormente, esse “ciclo” da indústria incluindo autores e histórias da comunidade veio com muita luta e insistência. Portanto, não é justo que uma pessoa escolha ganhar dinheiro com isso em cima de uma luta que tais autores nem participaram. Mas isso não é o pior da nossa longa conversa.


Dois exemplos são os livros que viraram polêmica no twitter em fevereiro. Em um o personagem afeminado e bissexual sofre violência física e verbal, de origem homofóbica, do personagem que virá a ser seu par romântico. No outro a personagem transexual tem seu nome morto usado repetidamente não só no livro como na divulgação, criando assim uma dupla personalidade. Preconceito recreativo, que é o preconceito sendo utilizado como entretenimento e algo bem mais profundo também.


Esses exemplos são bons para a gente começar o debate, mas nunca terminá-lo. Vale tudo por dinheiro? Vale tudo pelo pódio da Amazon? A literatura hot quer ser conhecida como a literatura do falem bem, falem mal, mas falem de mim? Não deveria existir um limite?


A abertura desse debate me lembra algo que eu sempre quis discutir com a literatura hot: o plot da virgem e o CEO. Esse plot segue a premissa de que a protagonista é uma garota fofa e tímida, rejeitada por todos os homens e que se manteve virgem até a idade adulta, porque ninguém nunca a escolheu. Mas de repente, um homem rico, bonito e influente a enxerga por quem ela realmente é e resolve tirar dela o fardo da virgindade.


É um plot batido e cafona, mas que continua sendo explorado pelos autores sempre da mesma maneira. Veja bem, meu problema com esse plot é um só, mas que vem com diversas camadas. Assim como o plot do virgem de 40 anos, existe na sociedade a ideia errada de que tudo o que você precisa na vida adulta é sexo. Tenho uma notícia para vocês: pessoas assexuais existem. E é nisso que meu ranço com esse plot implica. Além de não ser nada criativo, a virgem e o CEO coopera com esse estigma da sociedade. A pobre coitada virgem rejeitada que precisa urgentemente que um homem a note.


É necessário que espaços sejam ainda mais abertos para que narrativas assexuais e arromânticas sejam incluídas na literatura e destruam a consciência de que se você não está transando, então não está vivendo direito. Se você não tem um par romântico, então não está criando memórias.


Mas, então, os autores tem que parar de escrever esse plot? Seria uma boa ideia, mas cada um escreve o que quer. O ideal não é acabar com livros assim, mas construir debates. Para quê reproduzir a ideia da mulher feia que precisa desesperadamente de homem, quando você pode escrever uma mulher bem resolvida que sente nenhuma/pouca atração sexual?


Ali Hazelwood fez isso no seu A hipótese do amor e é um sucesso. Acima de tudo, é importante parar de explorar estereótipos e não caracterizar personagens com preconceito. Se você não entende de certa vivência, estude sobre ela, pense como seu personagem. Se você não quer, não o faça, mas também não coopere com estigmas que são tão difíceis de combater.


Isso não é um ataque aos escritores de literatura hot. Continuem criando, continuem vendendo. Mas antes de criar narrativas só para ganhar dinheiro fácil, pensei se não estarão ferindo alguém. Pensem se você sabe mesmo sobre o que está escrevendo. Não tenham medo de pesquisar.


 


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