Fran Borges
Bridgerton está boca de quase todo mundo, está em todos os lados, todas as minhas redes sociais. Já ouvi muito a expressão de que é um “pornô” para mulheres, inclusive em se tratando de livros hot e não concordo com isso. O que chama tanto a atenção das mulheres?
Bridgerton está boca de quase todo mundo, está em todos os lados, todas as minhas redes sociais. O fato da série ter 28 milhões de visualizações, sendo ainda maior do que a da primeira parte da temporada, me faz acreditar que não é apenas na minha bolha de rede social. Em sua grande maioria mulheres. O que chama tanto a atenção das mulheres? Romance, aquela história gostosa para relaxar, mas acima de tudo isso o hot.
Já ouvi muito a expressão de que é um “pornô” para mulheres, inclusive em se tratando de livros hot e não concordo com isso. Primeiro porque não há mulheres sendo objetificadas, exploradas, nem fazendo tudo que homem quer e “adorando” (ha, piada pronta). Uma indústria que alimenta posse, propriedade, incentivo à cultura do estupro e incentivo ao abuso de crianças e adolescentes.
E aí você pode me perguntar, mas tem cenas hot, sexo, pegação? Tem, mas tem uma história, uma construção daquele relacionamento e o mais importante: mulheres que estão em igualdade de condições, que sabem o prazer que querem sentir e que tem o poder do consentimento. As cenas de Bridgerton e muitos outros livros priorizam o prazer da mulher e o quão é poderoso ver isso na tela, mulheres livres e sem vergonha da sua própria sexualidade.
Esses homens fictícios respeitam a vontade da mulher e se preocupam com o seu prazer, porém se eles não fizessem isso, elas iriam exigir respeito. Cenas emblemáticas da série desde o primeiro casal, mas sobretudo em Polin, mostram os personagens masculinos sempre pedindo o consentimento das mulheres e em primeiro lugar dando prazer a elas.
Obviamente, é ilusão pensar que todos os homens irão se preocupar com isso, mas o ponto é que demonstra o quanto mulheres querem, exigem ser respeitadas.
E na minha opinião um dos maiores, se não for o maior, motivo para as mulheres gostarem tanto dessas histórias, especialmente mulheres com 40+, é o tabu em falar sobre sexo. Conversar entre mulheres, com os companheiros, falar como quer e o que quer. Mulheres falarem publicamente que são bem resolvidas sexualmente e que sim gostam e muito de sexo (estou falando de mulheres hétero, bi, lésbica, trans que sentem atração sexual por outra pessoa, porque existem milhares de formas de viver a sexualidade e amar).
Quando se fala de mulheres 40+, 50+, 60+ a coisa é ainda pior. Eu sou uma mulher de 42 anos e eu consigo ver hoje o quanto fui oprimida, reprimida a ponto de sentir vergonha de falar de sexo, me sentir culpada por um assédio, culpa por me masturbar. Dentro desse sistema em que vivemos as mulheres são ensinadas a agradar, tolerar, fazer sexo sem vontade com marido ou namorado, culpada por sofrer assédio.
Foi apenas a partir dos 30 anos que comecei a entender que essas culpas não eram minhas e que eu não tinha obrigação de nada, e essa queridos leitores, é uma das primeiras coisas que você descobre quando se reconhece feminista. E é claro, que a primeira fase é você sentir muita raiva pelas culpas que carregou, pelas chicotadas que dava em si mesma e não merecia.
Felizmente as coisas avançam de geração em geração, mas ainda continuo vendo a sombra desse tabu. E pior, pessoas utilizando religião para voltar a reprimir ainda mais as mulheres.
Uma coisa que tenho visto entre mães e até mesmo pais (pais são mais raros) é o incentivo que as meninas, quando estão na adolescência, a masturbação. Isso é maravilhoso, porque as mulheres precisam parar de ter vergonha da própria sexualidade e conhecer o seu corpo. Sexo foi feito para ser bom e por tanto tempo mulheres mal conheciam o próprio corpo e muitas vezes passam anos tendo um sexo ruim.
Eu consigo entender o quanto nós mulheres somos apaixonadas por essas histórias, ver uma mulher no comando e disfrutando do seu próprio prazer é empoderador. E nessa temporada, acho que isso alcançou um nível ainda maior por se tratar de uma mulher fora do padrão, uma mulher gorda.
Pela primeira vez na história uma mulher gorda é protagonista de um romance dessa escala, com tanto sucesso. Essas mulheres que sofrem tanto preconceito e que tem ainda mais vergonha da sua sexualidade, por que ouve e vê o tempo todo na tv, nas revistas, filmes o quanto elas não são representadas.
É impressionante o quanto isso nos afeta, mesmo você se desconstruindo, tratando esses problemas na terapia, você ainda se sente incomodada, culpada e muitas vezes não gostando de si mesma. Muitas mulheres acham que pelo fato de serem gordas não merecem ser amadas.
E sejamos sinceras, a maioria das mulheres são fora do padrão seja pelo motivo que for, porque é um padrão inalcançável. Somos muitas ao redor do mundo, somos diversas. Quando eu entendi isso me senti livre como nunca havia me sentido. Claro que, isso não impede as recaídas. A gente sabe que tem dias que acordamos meio desanimadas e é nessa hora que a coisa bate.
Somos criadas e moldadas para nos odiar, gastar uma imensidão de dinheiro com procedimentos estéticos e cremes caríssimos. Isso é um problema? Não. A pressão que você sente para fazer isso, mesmo quando no fundo você não queria ou nem precisava é. Isso é sofrimento.
Falando dessa terceira temporada de Bridgerton, outra coisa que eu achei maravilhoso, foi como eles celebraram a amizade feminina, o poder de estarmos juntas, ajudando umas as outras. Entendendo umas as outras. Esse foi outro motivo que fez com que essa temporada me conquistasse mais do que as outras. E claro, a série tem um grande diferencial, é feita por mulheres.
Para fechar esse texto, gostaria de mencionar como a série tratou tão bem a masculinidade tóxica no arco do Colin. Ele também acaba usando uma máscara para se encaixar, tentando ser um cara boêmio, que sai com várias mulheres e que é indiferente. Você consegue sentir que ele sofre com isso, porque ele é um cara tranquilo, gentil, sensível e que se importa muito com as pessoas ao seu redor, sempre atento a elas.
Quantos mais não estão presos, e não conseguem demonstrar como realmente são e o que pensam? Conversar sobre masculinidade tóxica com aqueles que estão dispostos é necessário, assim como mostrar isso para as novas gerações desde pequenos. O respeito mútuo melhora qualquer relação.
Para encerrar, preciso dizer que sei que tem várias pessoas que menosprezam séries como essa, principalmente homens, mas tem mulheres também. Talvez elas não consigam ver o que essas histórias realmente significam. Fazer essa reflexão a partir de histórias leves e gostosas faz todo o sentido.
Por isso não menospreze o quanto uma pessoa ao seu redor pode adorar essa série, muitas vezes será apenas diversão, mas outras o significado pode ser bem maior do que aparenta. E claro, porque não as duas coisas.
PS: Vou deixar aqui 2 links de matérias sobre o tema.
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